Visconde de Mauá, 4 de março de 2010

Ilmo. Sr. José Luis Lupo
Representante do BID no Brasil,

Como é de seu conhecimento, o BID está entre os financiadores dos projetos do PRODETUR em andamento na região de Visconde de Mauá, nos municípios de Resende e Itatiaia / RJ, no interior da APA Federal da Serra da Mantiqueira, entre eles a Estrada-Parque Capelinha-Maromba. Naturalmente, tratando-se de região de natureza exuberante, frágil e protegida legalmente, existe uma importante divergência entre segmentos da população local com relação aos impactos previsíveis e às medidas necessárias para mitigá-los.

Um desses segmentos é formado principalmente por empresários do ramo turístico que se concentraram na região em grande número, desequilibrando a relação entre a oferta e a demanda turística. Hoje apostam no asfaltamento do acesso como solução para re-viabilizarem o seu negócio - pelo menos por algum tempo, antes que a degradação pelo afluxo maior de visitantes e de novos mora-dores venha a comprometer os atrativos que essa região sempre ofereceu. Neste segmento também se incluem políticos, gestores públicos e parcela expressiva de moradores locais, ainda desavisados de quanto a região mudará com o aumento populacional, a exemplo do ocorrido em outros destinos turísticos com apelo natural, como Angra dos Reis, Parati, Itaipava e Búzios.

O outro segmento é formado pelas pessoas com significativa experiência em projetos socioambientais complexos, como os educadores, artistas, produtores culturais, pesquisadores, gestores ambientais, jornalistas etc., responsáveis, desde a década de 1970, pelo apelo ecológico que a região ostenta e por muitas medidas de proteção instituídas pelos órgãos governamentais brasileiros. Esses atores sociais estão muito preocupados com aspectos dos projetos da Estrada-parque e da requalificação das vilas, e com a maneira pouco participativa e pouco transparente como o processo vem sendo conduzido.

Por isso, ficamos surpresos ao saber da reunião de técnicos do BID liderados pelo Sr. Leonardo Corral, ocorrida na região em 30 de janeiro passado, apenas com empresários e políticos locais - sem que fosse convidado o Conselho Gestor da Microbacia do Alto Rio Preto, criado pelo decreto municipal 2707-08, de Resende, e que reúne, de modo paritário, representantes do setor público e da sociedade civil. Basta ler o Art. V (parágrafo 14) do Decreto estadual RJ 40979-06 (sobre estradas-parque) e a condição de validade específica no. 17 da Licença de Instalação das obras para verificar que o Conselho Gestor não pode ser negligenciado nesse contexto.

Certamente o BID não desconhece a importância da participação dos diversos setores que compõem qualquer comunidade para garantir o sucesso de seus projetos - conforme, aliás, as pesquisas acadêmicas comprovam e a experiência internacional recomenda. Também o PRODETUR pressupõe ativa participação das comunidades nos projetos que contam com seus recursos.

Sendo assim, vimos solicitar a V.Sa. informações sobre o que foi tratado naquela reunião, e que viabilize a realização de uma reunião técnica (sugestão de pauta em anexo) de representantes do BID com membros do Conselho Gestor e do Conselho Consultivo da APA da Mantiqueira (Conapam), das administrações da APA da Mantiqueira e do Parque Nacional de Itatiaia, para analisarmos o que nos preocupa e os impactos geológicos e socioambientais que prevemos com relação às obras com recursos desse Banco, de modo que não preponderem apenas as opiniões de quem não admite discutir os riscos envolvidos nem os meios para evitá-los - ou minorá-los - mesmo em época de caos climático crescente.

No aguardo de seu pronunciamento, subscrevemo-nos, atenciosamente (em ordem alfabética),

Alfredo José de Carvalho - produtor rural, ex-Secretário Municipal de Meio Ambiente de Bocaina de Minas - MG
álvaro Braga
- historiador, presidente da comissão pró-Fundação Mantiqueira
Cláudio Serricchio - engenheiro de meio ambiente, ex-Secretário Municipal de Meio Ambiente de Resende - RJ
Joaquim Moura - comunicador, aposentado do Banco Central, ecologista, editor do portal socioambiental amigosdemaua.net
Lino Matheus de Sá Pereira - ambientalista, patrono da futura Fundação Mantiqueira (em processo de criação)
Luis Felipe Cesar - criador da ONG Crescente Fértil, ex Secretário Municipal de Ambiente de Resende, fellow da Ashoka Foundation

Anexos: Carta às Autoridades enviada em 8 de janeiro de 2010; e sugestão de pauta para próxima reunião

Cópias para os ministros do Turismo e do Meio Ambiente, governadores dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, prefeitos de Resende, Itatiaia e Bocaina de Minas, secretários estaduais de Ambiente do RJ e MG, Ministérios Públicos Federal e Estadual/RJ e MG, presidentes do ICMBio, Ibama, INEA e AMAR, Conselho Gestor do Alto Rio Preto, Conapam, Senadora Marina Silva, Deputado Fernando Gabeira, Banco Mundial, O Globo, JB, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo


Anexo 1: Carta às Autoridades

Visconde de Mauá, 8 de janeiro de 2009

às autoridades presentes ou representadas na solenidade de Assinatura do Contrato de Início das Obras da Estrada-Parque Visconde de Mauá - RJ 163 - Trecho Capelinha-Mauá

Prezados Senhores,

Do mesmo modo que a maioria da população da região ou ligada a ela de alguma forma, é com grande expectativa que assistimos ao cumprimento de mais um passo no processo de licenciamento das obras de pavimentação da estrada de acesso à Visconde de Mauá - processo esse que representa (nas palavras do Ministro Minc publicadas em O Globo de 28/12/2009) a defesa da sociedade brasileira e da qualidade de vida.

Igualmente grande é a nossa apreensão com relação à maneira açodada e pouco transparente como o processo vem sendo conduzido, desde a elaboração de um EIA-RIMA à distância, com as falhas inevitáveis resultantes da falta de pesquisas in loco, até as tentativas de desclassificar as onze recomendações da APA Federal da Serra da Mantiqueira, pondo em risco a conservação dos recursos naturais locais no longo prazo. Infelizmente não vimos o governo estadual ou federal procurar a população e suas organizações comunitárias e ambientalistas para conhecer os motivos de nossa apreensão, ou para definirmos, participativamente, como reduzir ou eliminar os inevitáveis impactos negativos. Nem vimos o Ibama ou a Secretaria de Ambiente de Minas Gerais se manifestarem diante dos impactos diretos que ocorrerão no Rio Preto (federal) e no município de Bocaina de Minas-MG. Tampouco estamos seguros diante do modo lento e opaco como vêm sendo implementados os melhoramentos indispensáveis na infraestrutura local, incluindo saneamento, coleta de lixo e trânsito, sem o planejamento e o monitoramento participativos recomendados.

Não menos preocupante é o modo como o estudo de impacto socioeconômico está sendo elaborado, para atender a uma das quatro recomendações mantidas na anuência afinal concedida pelo próprio Presidente do ICMBio. Pelo visto, esse estudo está sendo novamente preparado de modo remoto, sem o devido contato de seus elaboradores com a realidade local nem com as entidades e lideranças que há décadas analisam as questões mais relevantes, desenvolvem projetos e detêm indispensável experiência.

Esperamos pelo melhor, mas estamos atentos para apontar e documentar os impactos - que já se fazem sentir - e para identificar o papel e a responsabilidade dos diversos atores que se conjugaram para patrocinar a celeridade à custa da prudência (mormente em tempos de caos climático crescente).

Atenciosamente, um grupo de cidadãos preocupados que atuam em diversos campos profissionais, acadêmicos e do Terceiro Setor na região de Visconde de Mauá (em ordem alfabética):

Alfredo Carvalho, álvaro Braga, Carmen Lúcia Carvalho, Carlos Ruggi Bomfim
Carolina Buhler Alves, Cláudio Serricchio, Daniel de Brito, Diva Resende
Jean Pierre, Joaquim Moura, José Tavares, Juliana Mello
Lino Matheus, Luis Armondi, Mauricio Collier, Pedro Cezar Ferreira
Regina Guerra, Renata Merces Leite, Sergio W. Maia

Com cópias enviadas aos ministros do Turismo e do Meio Ambiente, aos governadores dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, ao vice-governador do estado do Rio de Janeiro, aos prefeitos de Resende, Itatiaia e Bocaina de Minas, aos secretários estaduais de Ambiente do RJ e MG, aos Ministérios Públicos Federal e Estadual/RJ, aos presidentes do ICMBio, do Ibama, do INEA, da AMAR e da Mauatur, ao reitor da UERJ, ao Conselho Gestor do Alto Rio Preto, à Senadora Marina Silva, ao Deputado Fernando Gabeira, aos vereadores do município de Resende e a outras autoridades e lideranças locais.


Anexo 2: Sugestão de pauta

Sugestão de pauta para a reunião com técnicos do BID sobre estrada-parque, requalificação das vilas e desenvolvimento promissor da região do Alto Rio Preto

1. Data: a ser indicada pelo BID

2. Local: a ser definido oportunamente

3. Participantes convidados:

  • equipe técnica da APA Federal da Serra da Mantiqueira
  • equipe técnica do Parque Nacional de Itatiaia
  • membros e coordenação do Conselho Gestor da Microbacia do Alto Rio Preto
  • membros e coordenação do Conselho Consultivo da APA da Mantiqueira - CONAPAM
    N.B.: membros de associações e ONGs que atuam na região poderão participar da reunião na qualidade de observadores.

4. Temas

  • Qual é o papel e qual a responsabilidade do BID nos projetos em andamento na região que contam com seu financiamento? O BID preocupa-se tecnicamente com os impactos socioambientais dos projetos que apoia, ou se limita aos aspectos financeiros?
  • O BID avaliou os riscos geológicos diante dos cortes em encostas necessários para alargar o leito da estrada para 7,6 m?
  • O BID avaliou o futuro aumento do fluxo de visitantes e o seu impacto nos rios, nas cachoeiras, no trânsito das vilas etc;?
  • O BID avaliou o aumento populacional e a tendência ao descontrole urbano e à favelização, bem como a efetividade dos instrumentos de controle público e social desses fenômenos previsíveis?
  • O BID considerou a viabilidade econômica do Centro de turismo e artesanato que está sendo construído na vila de Visconde de Mauá, com recursos desse Banco? (ver dúvidas e e placa com o nome do BID )
  • O BID aprovou a prioridade que foi dada à construção desse Centro, no processo de requalificação da vila de Visconde de Mauá, sem qualquer consulta à população local e em detrimento de outras necessidades mais prioritárias, como a urbanização e calçamento do Lote 10 (comunidade popular situada a apenas 500 m da vila de Visconde de Mauá e maior concentração populacional da região)?